Lech Walesa, ex-presidente da Polônia e líder sindical, figura chave na queda do comunismo no país, expressou seu “horror“ em uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre sua conversa com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
O ganhador do Prêmio Nobel da Paz publicou a carta, assinada por 39 ex-prisioneiros políticos poloneses, em sua página no Facebook.
Na reunião, Trump acusou Zelensky de ingratidão pela ajuda dos EUA, desrespeito ao país e de colocar em risco a Terceira Guerra Mundial, questionando o apoio de Washington à Ucrânia em sua guerra com a Rússia.
“Assistimos à sua conversa com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, com horror e desgosto“, diz a carta. “Consideramos ofensivas suas expectativas de demonstração de respeito e gratidão pela assistência material fornecida pelos Estados Unidos à Ucrânia em sua luta com a Rússia.“
“Gratidão é devida aos heroicos soldados ucranianos que derramaram sangue em defesa dos valores do mundo livre“, continua a carta.
A carta assinada por Walesa comparou o clima da reunião aos “interrogatórios do Serviço de Segurança e… tribunais comunistas“.
O documento também pediu que os Estados Unidos cumpram as garantias de segurança dadas à Ucrânia em 1994, após a dissolução da União Soviética.
“Essas garantias são incondicionais: não há uma palavra sobre tratar tal ajuda como troca econômica“, diz a carta.
A embaixada dos EUA em Varsóvia afirmou que perguntas sobre a carta deveriam ser direcionadas à assessoria de imprensa da Casa Branca, que não respondeu ao pedido de comentário.
O atual presidente da Polônia, Andrzej Duda, disse que Zelensky deveria retornar às negociações com os EUA.
“Excelentíssimo Senhor Presidente,
Assistimos com horror e repulsa à sua conversa com o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Consideramos ofensivas as suas expectativas quanto à demonstração de respeito e gratidão pela ajuda material fornecida pelos Estados Unidos à Ucrânia, que luta contra a Rússia. A gratidão pertence aos heroicos soldados ucranianos que derramam seu sangue na defesa dos valores do mundo livre. São eles que, há mais de 11 anos, morrem na linha de frente em nome desses valores e da independência de sua pátria, atacada pela Rússia.
Não compreendemos como o líder de um país que simboliza o mundo livre pode não enxergar isso.
O que também nos chocou foi a atmosfera na Sala Oval durante essa conversa, que nos lembrou os interrogatórios da Segurança do Estado e os tribunais comunistas que bem conhecemos. Promotores e juízes, a serviço da onipotente polícia política comunista, também nos diziam que tinham todas as cartas na mão, enquanto nós não tínhamos nenhuma. Exigiam que cessássemos nossas atividades, argumentando que, por nossa causa, milhares de inocentes estavam sofrendo. Retiraram-nos a liberdade e os direitos civis porque nos recusamos a cooperar com o regime e a expressar gratidão a ele. Estamos estarrecidos ao ver que o senhor tratou o Presidente Volodymyr Zelensky da mesma forma.
A história do século 20 mostra que, sempre que os Estados Unidos tentaram manter distância dos valores democráticos e de seus aliados europeus, isso acabou se tornando uma ameaça para os próprios EUA. O Presidente Woodrow Wilson compreendeu isso quando decidiu que os Estados Unidos deveriam ingressar na Primeira Guerra Mundial, em 1917. O Presidente Franklin Delano Roosevelt também entendeu essa lição quando, após o ataque a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, decidiu que a guerra em defesa da América deveria ser travada não apenas no Pacífico, mas também na Europa, em aliança com os países atacados.
Recordamos que, sem o Presidente Ronald Reagan e o comprometimento financeiro dos Estados Unidos, não teria sido possível desmantelar o império da União Soviética. Reagan tinha plena consciência de que milhões de pessoas sofriam sob o jugo da Rússia e de seus estados subjugados, incluindo milhares de prisioneiros políticos, que pagavam com sua liberdade pelo compromisso com os valores democráticos. Sua grandeza estava, entre outras coisas, no fato de não hesitar em chamar a URSS de “Império do Mal” e em travar uma luta decisiva contra ela. Vencemos, e hoje uma estátua do Presidente Ronald Reagan ergue-se em Varsóvia, em frente à Embaixada dos EUA.
Senhor Presidente, ajuda material — militar e financeira — não pode ser comparada ao sangue derramado pela independência e liberdade da Ucrânia, da Europa e de todo o mundo livre. A vida humana é inestimável, seu valor não pode ser medido em dinheiro. A gratidão pertence àqueles que fazem o sacrifício de sua liberdade e sangue. Para nós, membros do movimento Solidariedade e ex-prisioneiros políticos do regime comunista servil, isso é evidente.
Apelamos para que os Estados Unidos cumpram as garantias que fizeram, juntamente com o Reino Unido, no Memorando de Budapeste de 1994, no qual se comprometeram expressamente a defender a integridade territorial da Ucrânia em troca da entrega de seu arsenal nuclear. Essas garantias são incondicionais: não há qualquer cláusula que estabeleça a ajuda como um acordo comercial.”